Incêndios Florestais - quadro normativo português
Fonte: https://www.mapfre.pt/seguros-pt/particulares/habitacao/dicas/incendios-florestais.jsp |
Para
que seja possível fazer uma análise, ainda que sucinta, do quadro
normativo português no que concerne aos fenómenos ambientais como
os incêndios florestais, julgo ser importante, numa primeira
instância mostrar alguns dados do Instituto da Conservação da
Natureza e das Florestas, doravante ICNF, relativos ao ano de 2017,
dados ainda que provisórios, conseguem elucidar-nos da gravidade e
dimensão do fenómeno em causa e das consequências inerentes a
estes. Segundo o relatório provisório de incêndios florestais de
2017 do ICNF, “A base de dados nacional de incêndios florestais
… regista, no período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de
outubro de 2017, um total de 16.981 ocorrências (3.653 incêndios
florestais e 13.328 fogachos) que resultaram em 442.418 hectares de
área ardida de espaços florestais, entre povoamentos (264.951ha) e
matos (177.467ha)” (ICNF, 2017:3), o que faz de 2017, segundo a
notícia do Público de 6 de Outubro de 2017 da autoria de
Luísa Pinto, “o pior dos últimos dez anos: apesar de ter menos
10% das ocorrências face à média da década, a área ardida
cresceu 147%”. O ano de 2017 não fica só marcado pela enorme
área ardida como também pela quantidade de mortes causadas pelos
incêndios florestais, que segundo notícia do Jornal Económico
de 12 de outubro de 2017 que tem como título “Mortes em
incêndios: 2017 foi “o ano mais trágico de sempre” em
Portugal”, em virtude de se saber que “Desde 2000,
morreram em incêndios florestais 165 pessoas, sendo 2017, com as 64
vítimas mortais de Pedrógão, o mais mortífero desde que há
registo, indicou o relatório da comissão técnica que analisou os
fogos de junho na região Centro”.
Feito este apanhado muito simplista dos incêndios florestais, não
obstante não seja um fenómeno novo nem recente, o que é facto é
que no ano transacto, o fenómeno configurou dimensões e teve um
impacto negativo em Portugal nunca antes visto ou vivenciado, o que
me leva a afirmar, ciente de que corro o risco de cometer algum
equívoco, que o paradigma ambiental está a alterar em geral e os
incêndios florestais em particular, pelo que, naturalmente e
inevitavelmente faz com que seja revisto o quadro normativo português
nas questões relacionadas com este fenómeno ambiental. Segundo o
disposto na al. e) do art.º 9.º da Constituição da República
Portuguesa, cabe ao Estado português “Proteger e valorizar o
património cultural do povo português, defender a natureza e o
ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto
ordenamento do território” e ainda segundo a al. g) do art.º
66.º do mesmo diploma “Promover a educação ambiental e o
respeito pelos valores do ambiente” e neste sentido foi criada
a Lei 19/2014 de 14 de Abril que define as bases da política de
ambiente. Em traços gerais pode-se resumir que a protecção da
natureza e do ambiente é uma tarefa fundamental do Estado e cujas
premissas estão consagradas em legislação própria.
Na problemática dos incêndios florestais, importa neste
enquadramento legal, referir que “A fim de tentar minimizá-la,
várias têm sido as iniciativas legislativas, tais como o
Decreto-Regulamentar 55/81 ou os Decretos-Lei 156/2004 e 124/2006,
para mencionar, apenas, alguns dos muitos documentos legais que
tratam do assunto” (Lourenço et al. 2011/12:62), e neste
sentido importa salientar a mais recente alteração no sistema
jurisprudencial português neste sector, nomeadamente a Lei 76/2017,
de 17 de Agosto, que modifica o Sistema Nacional de Defesa da
Floresta contra Incêndios, doravante SDFCI, o que se traduz na
quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 124/2006, e este Diploma visa
estruturar o SDFCI cuja aplicação estende-se por todo o território
continental português. O n.º 1 do art.º 2.º do presente Diploma
estipula que “O SDFCI prevê o conjunto de medidas e ações de
articulação institucional, de planeamento e de intervenção
relativas à prevenção e proteção das florestas contra
incêndios…” e o n.º 2 do mesmo artigo diz-nos que “No
âmbito do SDFCI, a prevenção estrutural assume um papel
predominante, assente na atuação de forma concertada de planeamento
e na procura de estratégias conjuntas, conferindo maior coerência
regional e nacional à defesa da floresta contra incêndios.”.
Posto isto, importa mencionar que a lei é clara quanto à actuação
dos organismos institucionais na prevenção e na defesa das
florestas contra incêndios, conforme previsto no art.º 3.º do
mesmo Decreto-Lei, onde estão consagradas as entidades e as suas
funções no que diz respeito a esta problemática, e as entidades
que compõem o SDFCI são o Instituto da Conservação da Natureza e
das Florestas, a Guarda Nacional Republicana e a Autoridade Nacional
de Protecção Civil e o n.º 8 do mesmo artigo prevê que “Todas
as entidades públicas que integram o SDFCI ficam sujeitas ao dever
de colaboração e têm acesso aos dados do SGIF necessários à
definição das políticas e ações de prevenção estrutural,
vigilância, deteção, combate, rescaldo, vigilância ativa
pós-rescaldo e fiscalização”, e é desta cooperação entre
as entidades e da boa coordenação entre elas que estão reunidos os
esforços para que as florestas estejam salvaguardadas do risco de
incêndios. Pese embora exista uma estrutura nacional de prevenção
e combate a esta problemática bem delineada, os esforços muitas
vezes não parecem ser suficientes, e neste sentido entraremos num
campo que julgo ser da maior importância, que são as causas dos
incêndios florestais e segundo a análise das causas dos incêndios
florestais no período compreendido entre 2003 e 2013, o Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas aponta como sete as causas
possíveis de originar um incêndio florestal, nomeadamente, o uso
do fogo, acidentais, estruturais, incendiarismo, naturais,
indeterminadas e reacendimentos (ICNF, 2014:3). O mesmo documento
diz-nos que “É possível reagrupar essas estrutura em 5 grandes
grupos possibilitando aferir sobre a negligência ou intencionalidade
das mesmas” (ICNF, 2014:3), concretamente, naturais,
negligentes, intencionais, indeterminadas e reacendimentos “se
bem que, por não ser uma verdadeira causa de incêndio, não deveria
ser mencionada como tal” (Lourenço et al. 2011/12:64).
Chegados a este ponto e como pudemos verificar são várias as causas
dos incêndios florestais e no caso português em particular
atente-se que “Ao longo dos últimos anos, Portugal não tem
conseguido travar os incêndios florestais, tanto no que diz respeito
número de ocorrências como no que se refere à dimensão das áreas
ardidas, … cuja ignição, em mais de 90% dos casos,
tem origem em atos humanos, negligentes e intencionais.”
(Lourenço et al 2011/12:61). Na linha de pensamento do susodito,
importa salientar as conclusões de Lourenço et al. (2011/12)
no estudo efectuado em que estes autores advogam que “as fontes
de ignição, … são quase exclusivamente de origem
humana, quer seja por ação voluntária, isto é, por ato
intencional, quer seja, de forma negligente, por desleixo ou por
descuido, onde se incluem os reacendimentos, por deficiente
consolidação das ações de rescaldo”
(Lourenço et al 2011/12:79), e aproveito a deixa para fazer uma
ponte para o quadro normativo do fenómeno no que concerne às
punições para quem infringir o estatuído na lei, nomeadamente no
Código Penal português, na sua versão actualizada, onde no n.º 4
do art.º 274.º está estipulado que “Quem praticar crime
doloso de incêndio florestal a que devesse aplicar-se concretamente
prisão efetiva e tiver cometido anteriormente crime doloso de
incêndio florestal a que tenha sido ou seja aplicada pena de prisão
efetiva, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre
que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade
do agente revelar uma acentuada inclinação para a prática deste
crime, que persista no momento da condenação.” Contudo
importa salientar que o “crime de incêndio florestal, cuja
integração no Código Penal é relativamente recente, em resultado
da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
Anteriormente, a punição dos incêndios florestais estavam prevista
na Lei n.º 19/86, de 19 de Julho, e estes estavam, parcialmente,
abrangidos pelo crime de incêndio, explosões e outras condutas
especialmente perigosas (artigo 272.º)” (Costa, n.d:6) pelo
que se constata que a jurisprudência envolta destes atos criminosos
é cada vez mais severa e intransigente no território nacional.
Resumidamente, poder-se-á afirmar que o ano de 2017 foi um ano
inesquecível, pelas piores razões, no que concerne aos incêndios
florestais, por outro prisma poderá ser encarado como um “abre
olhos” para o Estado, fazendo vir ao de cima as lacunas existentes
nas questões relacionadas com a prevenção e conservação do
ambiente em geral e das florestas em particular. Como foi possível
averiguar no presente trabalho, a forma mais eficiente de estar
preparado para este fenómeno passa por ter uma estrutura
organizacional e um dispositivo bem constituído e formado, com
linhas orientadoras e atribuições bem delineadas, para que seja
possível uma prevenção de sucesso, como nos ensina Ribeiro de
Almeida (1993) citado por Mira e Lourenço (n.d.) “Prevenir é a
Palavra de Ordem. Mas se a prevenção falha ou é menos eficiente,
surge a doença, e é necessário remediar, é necessário o último
recurso, é necessário o último recurso.” (Mira e Lourenço,
n.d:132). No que concerne ao quadro normativo dos incêndios
florestais, denota-se um agravamento das penas e sanções acessórias
para os infractores, contudo, na minha modesta opinião, a solução
está na prevenção e na educação das pessoas para evitar a
evolução negativa do fenómeno.
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Diplomas
Legais:
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Português – Disponível em URL:
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=109A0274&nid=109&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&nversao=
Constituição
da República Portuguesa – Disponível em URL:
http://elearning.uab.pt/mod/folder/view.php?id=337948
Lei
76/2017, de 17 de Agosto – Disponível em URL:
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/108010872/details/normal?l=1
Lei
de Bases da Política Ambiental - Disponível em URL:
http://elearning.uab.pt/mod/folder/view.php?id=337948
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