Partido de Massas Versus Partido Catch-all

Fonte: https://voxeurop.eu/pt/content/article/4080101-os-partidos-morreram-vivam-os-partidos
Antes de proceder a uma distinção entre os partidos de massas e os partidos catch-all, importa, num primeiro momento salientar que “A transformação dos alicerces em que assentava o Estado liberal e a sua posterior configuração em Estado liberal-democrático favoreceram a institucionalização das formas partidárias e a sua consagração como instrumento de luta política ao serviço dos sectores inferiores da sociedade até então privados de direitos sociais e políticos, ou seja das massas populares.” (Stock et al., 2005:47), e na sequência desta transformação verificou-se o surgimento dos primeiros partidos de massas, nomeadamente de ideologias socialistas e católicas, “Os partidos de massas surgem, assim, para dar voz aos cidadãos anónimos e «eleger» o homem comum, pondo termo ao elitismo dos «notáveis», próprio do parlamentarismo liberal” (Sotck et al., 2005:48).   

Com a mudança de paradigma na sociedade e nos sistemas políticos, nomeadamente através do surgimento das sociedades de massas e da democratização dos sistemas políticos, respectivamente, as formas de organização partidária, inevitavelmente, sofreram mutações “em particular através da a)profissionalização da vida política; b) construção de uma estrutura formal, complexa e estável; e c) assunção de uma actividade de integração social.” (Stock et al., 2005:51), factores estes que caracterizam os primeiros partidos de massas, na qualidade de novos atores políticos na cena política mundial, que segundo Weber citado por Stock et al. (2005) já dizia que “os partidos de massas celebram acima de tudo um novo actor político: o profissional da política, o «empresário» ou o «funcionário do partido»” (Stock et al., 2005:52), e o mesmo autor refere ainda que “os partidos de massas desencadeiam um duplo fenómeno: por um lado, a democratização formal da vida partidária, por outro, a burocratização efectiva dos partidos, que tenderá a degenerar ou em «democracia plebiscitária» ou em «governo dos funcionários».” (Stock et al., 2005:52). Max Weber caracterizou ainda os partidos de massas como sendo organizações partidárias estáveis e com uma forte estruturação, factores estes, que lhes dava capacidade de alcançar o poder.  

Para Maurice Duverger, na sua análise estrutural dos partidos, este refere que “o essencial da actividade do partido de massas ou de secção não se esgota na busca do voto e na intervenção parlamentar, realizando-se sobretudo ao nível da sociedade. O que significa que o partido de massas «especializado» procura penetrar em diversas esferas da vida social.” (Stock et al., 2005:55), aspecto este do partido de massas que é corroborado por Katz e Mair (1995) citado por Stck et al. (2005), quando estes afirmam que “a grande novidade do partido de massas reside na sua vocação fundamentalmente «societária»…uma entidade política incorporada na sociedade civil e distanciada do Estado, apesar de servir de ponte entre ambas as esferas.” (Stock et al., 2005:55). Por outro lado, os partidos de massas, na acepção de Neumann, tinha outra designação, nomeadamente, os partidos de integração social, advogando que “Nas democracias de massas da primeira metade do século XX, os partidos assumem essencialmente uma função de integração social, cabendo-lhes não apenas representar os interesses e as aspirações dos grupos sociais recém-chegados à arena política mas também assegurar a pela participação dos indivíduos na generalidade das actividades da sociedade, incorporando-os na sociedade.” (Stock et al., 2005:68), e eram características organizativas deste tipo de partido, factores como o forte vínculo ao partido pelos seus membros, a coesão e a solidariedade entre estes, entre outros aspectos. 
Em traços muito gerais pode-se concluir que os partidos de massas eram compostos essencialmente por políticos de profissão a tempo inteiro, com grande acção dentro do partido, recrutados de forma massiva desde que as suas ideologias fossem as do partido, com uma filiação em grandes proporções, cuja base de apoio social era a classe operária. A sua organização era caracterizada por ter uma estrutura firme e bem estruturada, cuja organização de base era a secção. No que concerne à sua actividade, esta era de cariz permanente e as suas funções eram de carácter institucional mas também social, em virtude de incluírem os novos grupos na sociedade e no Estado, dando assim voz às massas e servindo de elo de ligação entre estes e o Estado. O partido de massas até cerca dos anos cinquenta do século XX era visto pelos estudiosos como o modelo de partido principal e mais influente na Europa Ocidental, contudo, com a mudança de paradigma do fenómeno partidário verificou-se duas de três situações “2) o recuo dos partidos de massas ou de integração social… 3) a afirmação de um novo modelo de organização partidária, interclassista e pragmática, dotada de programas vagos e genéricos (o catch-all party), que surge associada à ideia de que os partidos estão e potencialmente à beira de um grave declínio.” (Stock et al., 2005:109).  

Por forma a dar continuidade ao raciocínio mantido no último parágrafo, importa então, atentar no partido catch-all, e neste sentido, é relevante voltar à sua génese, quando “Em meados da década de sessenta, caberia a Otto Kirchheimer, um académico alemão radicado nos Estados Unidos, demonstrar como a evolução sócio-económica subsequente à II Guerra Mundial se revelara profundamente desfavorável para os partidos de massas tradicionais (de base classista ou confessional) conduzindo à sua transformação num novo tipo de partido: o catch-all party.” (Stock et al., 2005:109) e segundo o mesmo autor “Os partidos catchall na Europa apareceram num tempo de desideologização, o qual contribuiu substancialmente para sua emergência e proliferação. A desideologização no campo político envolve a transferência da ideologia da filiação numa estrutura de metas políticas claramente visíveis para uma das muitas, suficientes mas nem de perto necessárias, forças motivacionais que operam na escolha dos eleitores.” (Kirchheimer, 1966, 2012:366), aliada a uma fragilidade das esferas sociais e económicas alavancaram a predominância deste modelo de partido.  

As características fundamentais dos partidos catch-all, segundo Kirchheimer (1966), prendem-se com “a) a drástica redução da bagagem ideológica do partido…b) Maior estreitamento entre os grupos de lideranças do topo das organizações…c) Rebaixamento do papel do membro partidário individual…d) Perda da ênfase na classe gardée…e) Garantia do acesso à variedade de grupos de interesse.” (Kirchheimer, 1966, 2012:370), características estas que distanciam o modelo catch-all do modelo de massas. Os partidos catchall diferenciam ainda dos partidos de massas na medida em os primeiros “se distinguem por uma base social de apoio diversificada e heterogénea, por programas vagos e ambíguos e por uma direcção orientada para os eleitores, na qual os representantes do partido in public office assumem uma nítida preeminência sobre os dirigentes internos.” (Stock et al., 2005:112), enquanto que os segundos “se caracterizam por uma base de apoio restrita e homogénea, pela intransigência e dogmatismo ideológicos e por uma direcção orientada mais para os militantes que para os eleitores, na qual os dirigentes internos se impõem claramente aos parlamentares.” (Stock et al., 2005:112).  

Por forma a concluir, e não obstante tenha a noção de que muito mais ficou por abordar, por ser um tema bastante abrangente e complexo,  julgo que foram expostas as principais características que configuram cada um dos partidos, assim como os factores que os distanciam e os diferenciam. 


Bibliografia:   


STOCK, Maria José (coord.); TEIXEIRA, Conceição Pequito; REVEZ, António Manuel (2005), Velhos e Novos Actores Políticos. Partidos e Movimentos Sociais, Lisboa: Universidade Aberta.

OTTO, Kirchheimer. (2012). A transformação dos sistemas partidários da Europa Ocidental. In Revista Brasileira de Ciência Política, n.º 7. Brasília, pp. 349-385. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n7/a14n7.pdf

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