Direito da União Europeia, para que serve e que bens protege

Fonte: http://www.hipersuper.pt/2011/10/13/comissao-europeia-propoe-um-direito-europeu-comum-para-facilitar-comercio-e-aumentar-as-escolhas-dos-consumidores/
A jurisprudência, assim como as sociedades, estão em constante mutação, e cabe às instituições, assim como aos Estados, moldarem-se a estas alterações. Estas alterações são o fruto de fenómenos sociais contemporâneos, que cada vez mais são mais céleres e inesperados, tornando muitas vezes a jurisprudência inadequada e desajustada à realidade vivida, sendo obrigada a ser revista e adaptada à nova realidade social. A União Europeia desde a sua génese que vem a ser submetida a alterações, desde a sua designação, a sua composição, os seus pressupostos, as suas prioridades, os seus objectivos, as suas fontes de direito, entre outros factores. Estas revisões e alterações devem-se essencialmente ao desafio que é acompanhar a evolução da realidade social, acompanhar a evolução tecnológica, ser surpreendido por fenómenos sociais como a globalização ou as migrações que em quase tudo modifica o modo de vida dos cidadãos da União Europeia e do Mundo. 

A União Europeia nasce após o final da segunda Grande Guerra, através da criação da CECA, com o objectivo primordial de promover a paz na Europa,” “…diversos escritos políticos defendem a criação, como condição para a Paz na Europa, de uma “Nação Europeia” e do “federalismo europeu”, sem que, todavia, estas noções apresentem grande rigor jurídico.” (Quadros, 2008:33)”, e à data a jurisprudência em torno desta união era diminuta, “No entanto, foi com o plano Schuman que a Europa iniciou o que hoje entendemos como União Europeia.” (Kallas, 2014:74). A União Europeia como a conhecemos hoje, nasce em Fevereiro de 1992, através do Tratado de Maastricht, cujos pressupostos iam muito além das questões económicas, abrangendo ainda questões de âmbito político, social, entre outros. 

As fontes do Direito Comunitário Europeu têm pouco mais que cinquenta anos e foi na sequência da assinatura de Tratados que conceberam as Comunidades Europeias que resultou um novo quadro jurídico “com uma finalidade própria e independente da dos Estados membros, mas que com esta se relaciona, com uma dupla origem convencional e unilateral.” (Alves, 2014:114). O Direito da União Europeia é composto por um agregado de normas jurídicas que pautam as relações entre os Estados Membros e cujo objecto de estudo prende-se às questões jurídico-políticas e jurídico-económicas da União Europeia.

No sítio da Internet da União Europeia, no que concerne às duas principais fontes de Direito que regulam a União Europeia pode ler-se que “O direito da UE divide-se em direito primário e direito derivado. Os tratados (direito primário) constituem as regras fundamentais que estão na base de todas as medidas tomadas pela UE. O direito derivado, constituído por regulamentos, directivas e decisões, decorre dos princípios e objectivos estabelecidos nos tratados.”. Como complemento à distinção das duas fontes de direito comunitário adiciono os contributos de Alves (2014) e Filho (2006), em que o primeiro elucida-nos que direito primário subentende-se como “o direito criado pelos Estados membros através de tratados internacionais, constituído pelas normas que criaram as Comunidades Europeias e a União Europeia, conferindo-lhes as suas atribuições e regulando a sua organização e funcionamento internos, bem como as alterações a estes tratados.” (Alves, 2014:114), enquanto que o segundo autor advoga que o direito secundário ou derivado “… “é constituído pelas normas emanadas dos órgãos da União com competência legislativa, quais sejam, a Comissão e o Conselho. Pode-se, pois, afirmar que esse Direito é constituído pelos regramentos, pelas diretivas, decisões, recomendações e ditames. Além disso, se encontram as fontes do Direito em geral, como a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais de Direito.” (Filho, 2006:75), e neste sentido importa ressaltar o consagrado no art.º 288 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, doravante TFUE, que nos diz que “Para exercerem as competências da União, as instituições adoptam regulamentos, directivas, decisões, recomendações e pareceres”. 

O Direito da União Europeia é provido de uma supranacionalidade, conceito este que nos é explicado por Gomez-Ferrer (2004) citado por Filho (2006) “Su posición de supranaciolidad quiere decir, se permite la licencia, que están por cima de los Ordenamientos de cada uno de los Estados que integran la Unión. Su ofício el de crear y aplicar las normas, se enquadra únicamente en un contexto comunitário, porque si su actividad se sujetase a las normas de los Ordenamientos de cada uno de los Estados miembros, el Derecho comunitário perdería su naturaleza propia y se haría inviable su fin” (Filho, 2006:76), ou seja, não se confunde com o Direito Nacional nem com o Direito Internacional, nem substitui o Direito do Estado-nação. 

Importa ao Direito da União Europeia acima de tudo “…oferecer proteção e proporcionar segurança ao processo de integração com valorização da dignidade humana, de modo a auxiliar na construção de uma sociedade democrática, fraterna e solidária.” (Filho, 2006:78-79).

O Direito da União Europeia é pautado por alguns princípios fundamentais que organizam a própria União Europeia, “No elenco desses princípios destacam-se aqueles que se encontram expressos no art. 6o, no 1 do Tratado da União: a) Estado de direito; b) democracia; c) liberdade; e d) direitos fundamentais, cujo respeito e concretização jurídica no espaço da União os torna condição de acesso e até mesmo de exercício de direitos no âmbito da União Européia pelos Estados membros…” (Filho, 2006:79), e neste sentido, julgo ainda ser pertinente a intervenção de Kallas (2014) quando nos diz que “No Tratado da União Europeia – TUE, estão presentes três importantes princípios que permitiram a aplicação do Direito da União Europeia. No artigo 1º do TUE,29 tem-se o Princípio da Integração, o qual assegura a supranacionalidade do bloco regional; em seu artigo 9º, verifica-se o Principio da Igualdade ou da Não Discriminação, encontrando-se o Princípios da Solidariedade ou Lealdade expresso no artigo 4º, nº 3.” (Kallas, 2014:79), princípios fundamentais estes reforçados pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O princípio da atribuição delimita as competências da União Europeia, conforme disposto no art.º 5 do Tratado da União Europeia, competências estas estipuladas nos art.ºs 3.º, 4.º e 6.º do TFUE, competências exclusivas, partilhadas e de apoio, respectivamente, ou ainda, por exemplo o princípio da proporcionalidade e o da subsidiariedade são princípios que a meu ver configuram pressupostos fundamentais para a regulação da União Europeia. No que concerne aos princípios gerais do Direito da União Europeia, cumpre-me fazer referência a alguns essenciais, nomeadamente o princípio da segurança jurídica, da confiança legitima e do equilíbrio institucional.

Conforme referi anteriormente, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, doravante Carta, constitui um direito primário da União Europeia, e esta visa salvaguardar bens de extrema importância, pelo que irei salientar apenas alguns. No capítulo primeiro da Cartas estão salvaguardados direitos como o direito à dignidade, à vida e à integridade do Homem, proibindo veemente ainda actos que visem o sofrimento e a escravidão dos Homens, no seu capítulo segundo visa salvaguardar direitos como o direito à liberdade e à segurança, o direito à privacidade, à educação, ao trabalho, à propriedade, o capítulo terceiro protege o direito à igualdade, à não discriminação, diversidade cultural, religiosa e linguística, igualdade de géneros, das crianças, idosos e portadores de deficiência, o capítulo quarto diz respeito à solidariedade e protege os direitos dos trabalhadores, o direito à segurança social, à saúde, protecção ambiental e protege ainda o consumidor, o capítulo quinto estabelece os direitos dos cidadão integrantes da União Europeia, nomeadamente o de ser eleito e de eleger, à boa administração, à petição, à liberdade de protecção, do capítulo sexto, que diz respeito à justiça e aos direitos inerentes a este tema, nomeadamente ao direito de recurso, o direito à defesa, fazendo referencia ainda a princípios como o da legalidade , da proporcionalidade e da equidade.

Atentando ao susodito, e debruçando sobre o assunto, pode-se afirmar veemente que as instituições da União Europeia detêm uma enorme responsabilidade para com cidadãos da União Europeia em virtude de terem de garantir toda esta panóplia de direitos, por forma a promoverem uma melhor vivencia dos cidadãos da União, com base nas premissas da democracia, da liberdade da tolerância e demais factores relacionados com o Estado de Direito, como nos elucida a Comissão Europeia ao afirmar que “Melhorar a vida quotidiana dos cidadãos da União Europeia é um processo contínuo.” (CE, 2013:14)

O objectivo primordial da União Europeia prende-se à criação e desenvolvimento de um teatro europeu, onde os principais protagonistas são os cidadãos e as organizações da União Europeia, cujo guião assenta nos pressupostos da confiança, escrito e delineado com base em direitos, valores e em princípios caros e preciosos, que visam essencialmente uma perfeita sinergia entre o director e os protagonistas desta peça a que se pode chamar de União Europeia, cuja realização da mesma cabe ao Direito, nomeadamente ao Direito da União Europeia.

Termino desta forma o presente ensaio fazendo esta pequena analogia, que a meu ver, embora sucinta, torna-se explícita na sua estrutura e implícita na sua aplicabilidade, simultaneamente, isto porque, por si só a União Europeia é uma teia complexa, assim como poderá ser uma peça de teatro de qualidade, e o que se pretende com o Direito da União Europeia é essencialmente a qualidade da aplicação deste na prática.

Bibliografia

ALVES, Dora. (2014). “Resenha de Direito da União Europeia”. In Revista Jurídica Portucalense. n.16. pp. 111-149. Disponível em URL: http://revistas.rcaap.pt/juridica/article/view/4370/4725

EUROPEIA, Comissão. (2013). “Justiça, Cidadania e Direitos Fundamentais”. Bruxelas. Disponível em URL: https://infoeuropa.eurocid.pt/files/database/000059001-000060000/000059716.pdf

FILHO, Francisco. (2006). “A Ordem Jurídica Comunitária Europeia: Princípios e Fontes”. In Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS. V. 8, n.º 15 pp. 75-116. Disponível em URL: http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_anteriores/15/artigos/04.pdf

KALLAS, Fernanda, M. (2014). “Direito da União Europeia e Direito de Integração”. In Textos & Contextos. Porto Alegre. v.13, n.º1 pp. 74-86. Disponível em URL: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/16750/11755

QUADROS, Fausto. (2008), “Direito da União Europeia”, 2ª edição, Coimbra, Edições Almedina, S.A.;


Legislação

Versões consolidadas do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, disponível em http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/552453/mod_resource/content/3/LexUriServ.pdf

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, disponível em : http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf


Sítios da Internet

União Europeia - https://europa.eu/

Parlamento Europeu - http://www.europarl.europa.eu/



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